Todo abismo é navegável
Foto: EDIMAR SOARES |
a barquinhos de papel”
(Desenredo
– João Guimarães Rosa)
– João Guimarães Rosa)
Ela
tem olhos de oceano. Se os olhos são mesmo as janelas da alma, conforme dizem
por aí, Maria Helena Souza, 58 anos, tem aquelas venezianas abertas e cortinas
transparentes para estampar no olhar. Não se importa com a falta de cabelo
decorrente das sessões de quimioterapia nem com a ausência do seio direito –
frutos do câncer de mama diagnosticado em abril passado. A doença – para ela –
representou a possibilidade de vislumbrar o mundo, as pessoas do mundo e as
coisas do mundo sob uma nova perspectiva.
tem olhos de oceano. Se os olhos são mesmo as janelas da alma, conforme dizem
por aí, Maria Helena Souza, 58 anos, tem aquelas venezianas abertas e cortinas
transparentes para estampar no olhar. Não se importa com a falta de cabelo
decorrente das sessões de quimioterapia nem com a ausência do seio direito –
frutos do câncer de mama diagnosticado em abril passado. A doença – para ela –
representou a possibilidade de vislumbrar o mundo, as pessoas do mundo e as
coisas do mundo sob uma nova perspectiva.
A
confirmação do câncer chegou em 10 de abril. Mesmo dia do aniversário do filho,
ela enfatiza. Superado o pânico inicial, as crises de choro e o medo, foi
momento para abraçar o tratamento. “Não conseguia dormir pensando no problema.
Emagreci quase nove quilos quando soube do resultado (da biopsia)”, lembra. A
investigação havia começado em novembro de 2013. Uma queda no banheiro. Uma
suspeita. Uma leve dor. Um encaminhamento médico. Um exame. Aquele exame
certeiro e necessário para as mulheres, a mamografia. E a vida de Maria Helena
foi girando de 180 em 180 graus. Várias, várias e várias vezes.
confirmação do câncer chegou em 10 de abril. Mesmo dia do aniversário do filho,
ela enfatiza. Superado o pânico inicial, as crises de choro e o medo, foi
momento para abraçar o tratamento. “Não conseguia dormir pensando no problema.
Emagreci quase nove quilos quando soube do resultado (da biopsia)”, lembra. A
investigação havia começado em novembro de 2013. Uma queda no banheiro. Uma
suspeita. Uma leve dor. Um encaminhamento médico. Um exame. Aquele exame
certeiro e necessário para as mulheres, a mamografia. E a vida de Maria Helena
foi girando de 180 em 180 graus. Várias, várias e várias vezes.
Cozinheira
em um passado recente, ela ainda mantem hábitos antigos da profissão. O doce de
leite mineiro para a repórter, o suco gelado para o fotógrafo. Costumes que não
vão ser esquecidos. “Mas, o trabalho mesmo, não posso mais fazer, por conta do
esforço e do calor”, diz sem remorsos e sem consternações. Na impossibilidade
de voltar para a função, ela aposta em outros caminhos. Começou a desfilar
biquínis e sutiãs apropriados para mulheres que fizeram mastectomia (retirada
total do seio). Já vai para o terceiro desfile, conta com orgulho.
em um passado recente, ela ainda mantem hábitos antigos da profissão. O doce de
leite mineiro para a repórter, o suco gelado para o fotógrafo. Costumes que não
vão ser esquecidos. “Mas, o trabalho mesmo, não posso mais fazer, por conta do
esforço e do calor”, diz sem remorsos e sem consternações. Na impossibilidade
de voltar para a função, ela aposta em outros caminhos. Começou a desfilar
biquínis e sutiãs apropriados para mulheres que fizeram mastectomia (retirada
total do seio). Já vai para o terceiro desfile, conta com orgulho.
Começou
também a pensar mais em si mesma, pensar mais nos filhos, pensar mais no seu
papel social. Muito antes do diagnóstico, quando ainda nem cogitava o câncer de
mama como algo palpável em sua vida, havia atuado como voluntária na
instituição Toque de Vida – que trabalha com aconselhamento e inclusão de
mulheres diagnosticadas com câncer de mama. “Produzia cursos sobre alimentação
saudável para as garotas de lá. Tudo muito certinho – com soja e com frutas.
Fácil de fazer e saudável”, afirma com esmero. Agora, com mais sessões de
quimioterapia pela frente e a recuperação em andamento, não é possível sair de
casa rotineiramente para gerir os cursos de culinária na instituição. “Mas
quero voltar a fazer, vou voltar a fazer”, garante.
também a pensar mais em si mesma, pensar mais nos filhos, pensar mais no seu
papel social. Muito antes do diagnóstico, quando ainda nem cogitava o câncer de
mama como algo palpável em sua vida, havia atuado como voluntária na
instituição Toque de Vida – que trabalha com aconselhamento e inclusão de
mulheres diagnosticadas com câncer de mama. “Produzia cursos sobre alimentação
saudável para as garotas de lá. Tudo muito certinho – com soja e com frutas.
Fácil de fazer e saudável”, afirma com esmero. Agora, com mais sessões de
quimioterapia pela frente e a recuperação em andamento, não é possível sair de
casa rotineiramente para gerir os cursos de culinária na instituição. “Mas
quero voltar a fazer, vou voltar a fazer”, garante.
Por
opção, Maria Helena resolveu retirar o seio direito integralmente. Havia, sim,
a possibilidade de extrair apenas uma parte da mama. Mas, não. “Não quero
imitar a Angelina Jolie. Não é isso. Só precisava eliminar a possibilidade da
doença retornar. Não quero isso para a minha vida”, pontua. Membros da equipe
médica ficaram espantados com a decisão (“como a senhora pode querer tirar um
seio tão lindo?”). Mas estas vaidades não pertencem mais a Maria Helena. Ela
quer outros mimos e outras virtudes. Ela quer fazer poesia e colocar poesia na
cabeça dos outros. “Foi preciso a interferência de um médico. Pouco antes da
cirurgia, ele falou que o corpo é meu e eu teria o direito de escolha. Senhora
do próprio corpo, ele falou”. O câncer, conforme ela conta, toma o corpo com
uma velocidade gigantesca. “Nos primeiros exames tinha pouco mais de um
centímetro, na época da cirurgia já estava com dois”.
opção, Maria Helena resolveu retirar o seio direito integralmente. Havia, sim,
a possibilidade de extrair apenas uma parte da mama. Mas, não. “Não quero
imitar a Angelina Jolie. Não é isso. Só precisava eliminar a possibilidade da
doença retornar. Não quero isso para a minha vida”, pontua. Membros da equipe
médica ficaram espantados com a decisão (“como a senhora pode querer tirar um
seio tão lindo?”). Mas estas vaidades não pertencem mais a Maria Helena. Ela
quer outros mimos e outras virtudes. Ela quer fazer poesia e colocar poesia na
cabeça dos outros. “Foi preciso a interferência de um médico. Pouco antes da
cirurgia, ele falou que o corpo é meu e eu teria o direito de escolha. Senhora
do próprio corpo, ele falou”. O câncer, conforme ela conta, toma o corpo com
uma velocidade gigantesca. “Nos primeiros exames tinha pouco mais de um
centímetro, na época da cirurgia já estava com dois”.
A única queixa é o preconceito alheio. “Câncer não
é transmitido através do contato físico entre as pessoas. Isso é bem claro para
todo mundo. Mas tem gente que não senta perto no ônibus, que olha desconfiado,
que estranha a máscara, que se recusa a comer a comida preparada por mim. Uma
pena. Uma pena para eles, é claro”.
é transmitido através do contato físico entre as pessoas. Isso é bem claro para
todo mundo. Mas tem gente que não senta perto no ônibus, que olha desconfiado,
que estranha a máscara, que se recusa a comer a comida preparada por mim. Uma
pena. Uma pena para eles, é claro”.
(Isabel Costa) Jornal o Povo